Tentando remontar a pregação precipitada do apóstolo Paulo, uma revisão do incidente no Areópago poderia apresentar um rumo inteiramente diferente para a igreja primitiva e até para nossos dias.
A Bíblia conta, em seu Novo Testamento, um estranho incidente “diplomático” entre um apóstolo de Jesus (Paulo de Tarso) e uma audiência de doutores e filósofos gregos, em pleno Areópago por onde tanta filosofia passou. O que planejamos aqui é apresentar o discurso e uma reconstrução dele, à base de uma nova revisão teológica, fundamentada sobretudo em leituras de autores como CS Lewis, John Stott, JB Phillips, GK Chesterton, Paul Yancey e outros.
A circunstância referida conta que, num determinado dia dos primórdios da igreja primitiva, quando Paulo vinha desenvolvendo um raciocínio muito proveitoso de aproximação de sua audiência em direção à Boa Nova de Cristo, um estranho erro de método pedagógico teria feito o grande apóstolo perder aquelas almas cultas, num incidente típico de precipitação ou de pressão externa à mensagem, o qual poderia ter sido evitado.
Foi um momento especial de rara oportunidade perdida, porquanto aqueles a quem Paulo pregaria, além de cultos, estavam mesmo interessados em saber DO QUE SE TRATAVA aquela nova “filosofia”, da qual eles tinham ouvido o galo cantar sem saber aonde. Quando alguém está interessado em saber o que pensamos, as portas se abrem mais, mas também não permitem necessariamente maiores incursões nas “intimidades psicológicas” dos ouvintes, por parecerem invasões indevidas ou abusos no direito de ensinar. Paulo devia saber tudo isso, porque, afinal, já ensinava antes, e aprendera seu ofício magisterial pela mão de mestres, dentre eles Gamaliel, grande mestre judeu doutor-da-lei (At 22,3). Como aqueles filósofos eram politeístas (toda a Grécia era e ainda é), era natural que quisessem saber acerca de “um novo deus no mercado”, ou da estranheza do 'deus-diferente' pregado por Paulo. O simples fato de ser uma novidade teológica lhes era atraente, bem ao contrário de nossos dias, nos quais há tanta religião e tanta teologia que ninguém mais tolera “novidades”.
Antes de transcrevermos a pregação no Areópago, é indispensável que se entenda que o tal discurso paulino, longe de qualquer demérito para São Lucas (autor que o descreveu), pode não ter sido exatamente como Lucas o registrou, até porque era impossível, depois de várias décadas de distância dos fatos, o grande médico do Senhor se lembrar de tudo nas minúcias; e assim o que deve ter marcado a sua lembrança pode ter sido justamente “o erro infeliz” de Paulo, dada a repercussão muito mais espalhafatosa de um erro do que de um êxito nos meios populares. Logo, que houve um erro, houve; agora as circunstâncias e as palavras pré e pós-pregação podem ter sido bem outras.
Vejamos então como foi o discurso de Paulo e logo em seguida, o mesmo discurso com os “reparos” possíveis pela teologia contemporizada. (Veja o Discurso na íntegra clicando no título deste post).
Agora vamos ao discurso que Paulo DEVERIA ter feito, o qual será obviamente um pouco maior (lembre: não havia pressa na audiência que o convidou) e só será consertado aonde de fato Paulo precipitou-se ou errou na abordagem: ou seja, nos demais trechos, mantém-se a pregação tal qual registrada por Lucas.
[ABRE ASPAS] – Atos 17,22-31: “Prezados atenienses: vejo grande inteligência em vocês por se interessarem em coisas estranhas e deuses das tradições de seus pais; inclusive, ao passar por vossa cidade, vi seus santuários e suas homenagens a vários deuses, todos merecedores das mais acuradas pesquisas investigativas, dada a quantidade de informações que podem advir de suas vidas e missões terrenas. Um desses deuses, com efeito, está sendo chamado de “Deus desconhecido”, por pura sapiência vossa, porquanto se há um Deus verdadeiro, ele deve ter mesmo muito mais coisas ocultas do que expostas, e assim o seu apelido cai bem num santuário de deuses. Pois bem. Proponho-lhes discutirmos este Deus desconhecido, pois tenho a forte impressão de que Ele teve algum tipo de contato comigo. Pois bem. Para mim, esse Deus-desconhecido é o Criador de tudo, “um Zeus”, por assim dizer. Este Deus não se limita ao espaço e ao tempo dos homens, não podendo ser contido por nossas habitações e nem por nossa arte, por mais bela e bem feita que seja. Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas; e de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação. Este Deus-desconhecido, uma vez tendo contatado alguns dentre nós (só eu conheço no mínimo uns 12 que com Ele estiveram), prova que pode ser mais presente e menos distante, ao contrário de outros deuses que quase se comportam como figuras emolduradas em quadros ou presas em estátuas! Isto Ele faz deixando claro que não está longe de nenhum de nós, pelo contrário, pode, a partir de nosso coração/inteligência, ser contatado, e expressar-se de modo mais interativo e pessoal; porque também nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração. Sendo nós, pois, geração de Deus, não havemos de cuidar que a divindade seja semelhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida por artifício e imaginação dos homens, embora, destes mesmos materiais, aproveite da sua humildade para transparecer até nós, do contrário, nós nem sequer O perceberíamos! É por isso que grandes mestres do passado diziam que “Deus está presente em tudo, inclusive na menor flor do campo”, embora num modo diferente de estar, sem jamais fundir-se com qualquer de suas criaturas. É apenas o seu ESTILO de Criador que transparece na matéria inanimada, ao contrário de nós animados, que podemos de fato SENTIR sua presença em nosso coração. Ao sentirmos Sua magna presença, então, o mínimo que devemos fazer é sermos humildes e até nos arrependermos de nossos erros, sobretudo quando tais erros são violências contra nossos semelhantes, as quais revoltam todo mundo pela injustiça aparentemente impune! Porém Deus não leva em conta nossas descrenças e fará justiça perfeita, no dia que determinou para julgar o mundo, salvando os bons e ou maus que se arrependerem honestamente. Para tanto, encomendou um homem especial para promover a Justiça divina, um homem justo em quem nunca se achou dolo algum, e cujo exemplo é o indicado para consertar todos nós. Afirmo, por experiência pessoal, que Jesus, chamado Nazareno, é esse homem justo que salva a todos nós por meio de nossa confiança nEle. Isto é tudo.” [FECHA ASPAS].
A seguir, veja na tabela abaixo os dois discursos, comparativamente, entendendo melhor o que há de diferente entre eles, em termos de técnicas de abordagem:
(Esta TABELA pode ser visualizada em tamanho grande no SITE da EAT, na aba ARTIGOS)
Isto posto, fica claro o indisfarçável erro de São Paulo, obviamente sem dolo algum, mas apenas resultante de uma precipitação das circunstâncias, que poderiam estar à beira de uma convulsão social, de uma perseguição religiosa, de uma fuga inesperada ou até de um martírio, como era comum na época. O discurso no Areópago, portanto, não foi uma coisa planejada, premeditada, na qual o orador pudesse ter o tempo adequado de preparação lecional, e deve ter pegado Paulo de surpresa, o que se explica pelo convite a ele feito, com ares de uma missão “obrigatória” para o Reino de Deus.
Finalmente, fica para todos nós pregadores a lição de não se permitir pregações precipitadas, sem tempo de treinamento anterior, de tal modo que sejam pré-testados todos os meios da preleção, e não apenas o conhecimento em si, atividade-fim da missão cristã. Se um aprendizado deste quilate pode-se tirar das Escrituras Sagradas, servindo até para os próprios apóstolos do Senhor (e com o mais preparado deles, segundo São Pedro – II Pe 3,15-16), quanto mais não deverá ocorrer conosco, ínfimos testemunhas de uma verdade imortal, mas moribunda pela fraquíssima fé do homem pós-moderno (Lc 18,8). Oremos para que nos mantenhamos firmes na crença que unia todos os apóstolos num só propósito, fazendo acender a chama da fé cristã, onde quer que nos peçam razão da esperança que há em nós.
domingo, 25 de dezembro de 2011
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Você leu o texto grego? Após realizar a leitura, tive a impressão de que o "erro" é uma questão de interpretação do tradutor. De qualquer forma, sempre considero deselegantes julgamentos sobre a retórica de pregações bíblicas, visto que há diversos filtros de natureza semântica/sintática entre nosso olhar e a palavra lançada há dois milênios. Gostei, entretanto, de algumas das colocações. O grego prega algumas peças. Em relação ao contexto da pregação, acredito que a pregação fora, sim, premeditada. O discurso de Paulo no Aerópago é na bíblia um manifesto (lembrando, por exemplo, os manifestos dos modernistas dos anos XX no Brasil) dessa nova corrente filosófica extremamente passional e pouco racional que é o cristianismo.
ResponderExcluirDiante da cultura helênica, a pregação do Cristo, da ressureição e da humildade, na forma como foi deixada por Jesus, nunca poderia fugir do rótulo de irracional e/ou ingênua. O Messias nunca será, por exemplo, provado cientificamente antes de sua segunda vinda, pois isso feriria a premissa da fé (a certeza das coisas que não se vêem). Paulo no Areópago foi expositivo como poderia ser;
ÓTIMO comentário o seu, amigo. Valeu. Tenho a lhe dizer duas coisas: se você pergunta se eu li o grego, creio que sabe que não é preciso SABER grego para saber o que o grego disse (ok? Como? Lendo autores de confiança que conhecem bem o grego: a propósito, você leu Russel Champlin? Viu o que ele encontrou no grego?); se você considera o Cristianismo passional e pouco racional, pergunto: não leu CS Lewis? Leia "Cristianismo Puro e Simples" e depois conversamos mais. Valeu. Abraço.
ExcluirErro na pregação de Paulo? Nossa, que ousadia sua hein! É cada uma que aparece...
ResponderExcluirVocê crê que Paulo era perfeito? Por que ele não poderia errar? Pedro não errou? E veja que o próprio Paulo confessa, em pelo menos duas ocasiões, cometer erros repetidamente como todos nós (leia Romanos 7,19 e II Coríntios 12,7). Se os erros por ele confessados eram tão medonhos (como a soberba), por que supor que ele errasse na sua metodologia expositória seria uma ousadia de minha parte? Afinal, quem jamais errou ao tentar levar a verdade aos pecadores?...
ExcluirEu não acredito em que Paulo era perfeito (existem relatos e confissões da suas características), mas acredito que a Palavra de Deus é perfeita. Os escritos do novo testamento são limitados a eventos e não a pareceres o caraterísticas profundas sobre seus personagens, ao final o Novo testamento/Evangelho foi escrito para glorificar o nome de Cristo Jesus e não de outros. Apesar de suas alegações com relação a retorica, a Bíblia na sua totalidade é revelação divina (inclusive citações de retorica com as dos apóstolos). A autoridade que Paulo tinha dado pelo Espirito Santo como o conhecimento helênico que lhe deixo participar do areópago não se limita a um "bom discurso" ou uma ótima "relação pública", o evento do areópago confirma as palavras ditas em 1 Corintios 1:23, como também em que a revelação divina não seja por meio ou capacidades humanas. Não coloquemos livros, pensamentos nem palavras temporais, limitadas e de achismo, não nos exaltemos de lógicas próprias o grupais. Prefiro acreditar naquilo que continua e continuará perpetuo, que é incompreendido por aqueles que se valem de um intelecto distante da soberania de Deus. Sei que dá mesma forma que minhas palavras e a suas passarão mais a Palavra de Deus é eterna, portanto cuidado meu caro porque autoridade que ela têm é inatingível de qualquer titulo,"revelação" ou conhecimento que algum homem possua.
ResponderExcluirFoi tão imperfeito que Paulo desceu de lá com Dionísio o Areopagita dentre outros Filósofos Supersticiosos e Ateus Convictos... Se podia ser melhor? todo ser humano sempre pode fazer melhor, mas como foi, foi ótimo.
ResponderExcluirinteressante que antes de ler o texto procurei passar pelos comentarios.. e honestamente foi desanimador sabe que uma palavra que pode conter tanta sabedoria e explicação foi motivo de discussão voraz.. e nesse post em especifico prefiro me ater a simplicidade da pregação simples.
ResponderExcluirUm pedaço deste discurso está nos primeiros km do Catecismo da Igreja católica. É a gasolina azul daqueles que empreendem a longa viagem de 2865 km na rodovia deste catecismo. É um discurso mais erudito e orgânico que o habitual de Paulo. É o mais fracassado discurso fulminante da história religiosa dos humanos. Tinha que sê-lo para que fechasse a ignorância dos tempos passados. Somos criancinhas de fraldas peregrinos na terra. E quando nos arrogamos doutores, temos horror à verdade, ou talvez crianças mimadas. Um dia minha filha me disse que iria com seu marido em Atenas. Lembrei a ela que lá fica uma pequena colina referência geográfica deste discurso e não disse e não pedi nada. Com muita gratidão a São Paulo que monitorou tudo e fez com que minha filha me trouxesse uma foto tirada pelo seu marido, ela bem ao lado de uma placa em bronze no alto da colina contendo o discurso em alto relevo do maior bandeirante do evangelho...:)
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