Um poema sobre momento de vergonha dos principais apóstolos é divulgado em forma de vídeo pelo StudioJVS, e na ocasião cabe uma reflexão sobre a falibilidade humana, que poderíamos chamar de “errância”. Com efeito, além da eterna e hostil rebeldia humana, há que se encarar de frente a questão da vergonha dos atos praticados, que só faz sentido se acompanhada de verdadeiro arrependimento, sem o qual a vergonha não passa de “diversão dentro da lama”, como pinto feliz no lixo ou como a porca lavada que voltou ao lamaçal (II Pedro 2,20-22). Aliás, a propósito de citar Pedro, é dele o exemplo maior de vergonha cristã universal, ocorrida bem no meio do colégio apostólico e manchando a lembrança de Pedro para sempre (Lewis chegou a pedir perdão a Pedro pela citação da ocorrência!). Todavia, o poema agora publicado não trata especificamente dos apóstolos ou de Pedro, mas de um andarilho solitário, que em suas longas caminhadas chegou a sonhar com cenas descritas por CS Lewis e com ele mesmo, num sinal claro de haver assimilado, no âmago mais íntimo de sua mente, toda a mensagem da Magia narniana. Além do mais, a homenagem se baseia em antológico trecho do livro “Cartas a Malcolm”, a Carta VIII, na qual Jack tece o mais profundo arrazoado acerca da “Teologia da Paixão” (que trata das dores finais de Cristo) e ao final prova ser uma análise só possível ao gênio de nosso mestre irlandês. O trecho será publicado na EAT, no próximo post da Semana Lewis. O vídeo contendo o poema em questão pode ser visto em duas versões do Youtube (simples e estendida) e também se presta, prioritariamente, a prestigiar a “SEMANA LEWIS 2011”. Os leitores, irmãos e lewisianos amigos da EAT são convidados a ver o vídeo citado clicando no título deste post, e qualquer comentário em resposta será uma honra para nós.
O (IM)PRESSIONANTE TRECHO DA CARTA VIII:
[ABRE ASPAS]: Não é verdade que cada movimento da Paixão expõe de forma contundente algum elemento comum nos sofrimentos de nossa raça? Em primeiro lugar, a oração da angústia, que não é aceita. Em seguida, Ele se volta para Seus amigos. Eles estão dormindo – como os nossos, ou como nós estamos tantas vezes ou ocupados, ou distantes, ou preocupados. Depois, Ele encara a Igreja, a mesma Igreja que Ele trouxe à existência. Ela O condena. Isso também é típico. Em toda a Igreja, em toda instituição, há alguma coisa que, mais cedo ou mais tarde, trabalha contra a razão de sua própria existência. Todavia, parece haver outra possibilidade. Há o Estado, no caso, o Estado romano. Suas pretensões são muito inferiores às da igreja judaica, mas exatamente por isso ele se vê livre dos fanatismos locais. Ele diz ocupar apenas um nível rústico, mundano. Sim, mas só na medida em que isso não contrarie seu expediente político e sua “Razão de Estado”. Tornamo-nos uma ficha em um jogo complicado. No entanto, nem tudo está perdido. Existe ainda a possibilidade de apelar ao Povo – os pobres e os simples a quem Ele abençoou, a quem curou, alimentou e ensinou, a quem Ele pertence. Contudo, esse povo se tornou, da noite para o dia – não há nisso nada de excepcional – a turba assassina que pede seu sangue. Nada mais resta, portanto, senão Deus. E, para Deus, as últimas palavras de Deus foram: "Por que me abandonaste?".
Observe como é característico, sintomático, tudo isso. A situação humana posta a nu. Ser homem, entre outras coisas, é isso. Todas as cordas se rompem quando você as segura. Todas as portas se fecham quando você as alcança. É como ser a raposa que não tem para onde fugir: a terra está toda demarcada.
Em relação ao abandono final, como entendê-lo ou mesmo suportá-lo? Será porque Deus mesmo não pode ser Homem, a menos que Deus pareça sumir diante de Sua necessidade maior? E, se assim for, por quê? Às vezes, pergunto-me se, de fato, temos pelo menos uma pálida ideia do que o conceito de criação acarreta. Quando Deus criar, Ele trará algo à existência que não será Ele mesmo. Ser criado, de algum modo, significa ser ejetado ou separado. Pode-se dar o caso de que, quanto mais perfeita a criatura, tanto maior será, em algum momento, a separação? São os santos, não as pessoas comuns, os que passam pela "noite escura". São os homens e os anjos, não os animais, os que se rebelam. A matéria inanimada dorme no seio do Pai. A condição de ser oculto de Deus talvez cause maior dor ao pressionar aqueles que, sob outro aspecto, encontram-se mais próximos dEle, e portanto Deus mesmo, feito homem, será entre todos os homens aquele a quem Deus relegará ao supremo abandono? Um teólogo do século XVII disse: "Se fingisse ser visível, Deus teria tão somente enganado o mundo". Talvez Ele finja sim, um pouco, para aquelas almas simples que necessitam de uma boa medida de "consolação palpável". Sem os iludir, mas para que o cordeiro tosquiado não seja açoitado pelo vento. Claro, diferentemente de Niebuhr, não estou dizendo que o mal seja inerente à finitude. Isto identificaria a Criação com a Queda e faria de Deus o autor do mal. Contudo, talvez haja uma angústia, uma alienação, uma crucificação envolvida no ato criativo. Não obstante, Ele, o único a quem cabe julgar, julga valer a pena a distante consumação. [FECHA ASPAS].
domingo, 27 de novembro de 2011
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