SALA DE LEITURA DA EAT

SALA DE LEITURA DA EAT
Vê-se CS Lewis no Quadro Central, ladeado por seus livros, o Busto de MacDonald à direita e a "Vela do Saber" acesa.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

RESPONDENDO A UM IRMÃO CATÓLICO-ROMANO SOBRE LEWIS

PREZADO ANGUETH:

Tomo por base o seguinte e-mail com sua resposta para respondê-lo em seguida, ok? Veja. Você escreveu:

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Caro anônimo,
Lewis não ser católico é para mim também um mistério. Principalmente porque, segundo o próprio Lewis, o que o converteu ao cristianismo, foi o livro "O Homem Eterno" de Chesterton. Porque ele se tornou anglicano e não católico é um mistério e uma pena.

No entanto, conheço muito poucos livros tão profundamente cristãos quanto o Mero Cristianismo. Conheço muito poucos livros que expressam a psicologia cristã dos grandes santos e Padres da Igreja quanto "Cartas a um Jovem Diabo".

Mas lembre-se, Deus serve-se das mais diversas pessoas para Seus projetos. Quem sabe Ele não se serviu de Lewis para aproximar muitas pessoas do catolicismo, pessoas estas que não leriam um escritor católico, mas que leu Lewis com muito gosto.

Muito obrigado pelas palavras sobre meu blog. Reze por mim.

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Respondo-lhe:
Não há mistério algum em Lewis não ser católico ROMANO. Lewis é católico (católico = universal) como todos os cristãos, mas comunga na Comunhão Anglicana, com todo o direito a ele outorgado pelo Espírito de Deus, que sopra aonde quer (Jo 3,8), sem cores denominacionais, na plenitude do chamado “ecumenismo celestial”. Eu também sou católico mas não ROMANO, e creio que já chegou o tempo em que a Igreja de Roma precisa assumir de vez a postura do humaníssimo Papa João XXIII, de abertura suprapartidária do Cristianismo, como deseja o coração ecumênico de Deus. Já passou a época daquela aberração doutrinária que dizia “fora da igreja não há salvação”, e todos nós católicos deveríamos abominar quem ainda pensa assim. Em Lewis não ser ROMANO não há pecado algum, assim como não há pecado em gostar ou não de pizza, e quando subirmos ao Céu, ninguém terá na testa o título “Católico Romano”, 'Batista', “Metodista”, 'Presbiteriano', ou coisa que o valha. Temos, sim, todos nós, que abolir de vez este bairrismo proselitista que elege uma igreja como única, ou como única correta, lembrando que quando Jesus disse a Pedro que sobre esta Pedra ele edificaria a Igreja dEle, não havia ainda o “Catolicismo ROMANO” (que nasceu séculos depois) e muito menos a figura papal, que o Romanismo quer atribuir a Pedro, naquilo que em Teologia chamamos de “cirurgia hermenêutica”. Além do mais, a “Pedra” era Cristo, É Cristo, e não Pedro (I Co 10,4).

SIM. Lewis se converteu ao cristianismo pelo livro "O Homem Eterno" de Chesterton, é verdade. Porém se converter ao Cristianismo é que importa, e não ao Catolicismo ROMANO. Pois Lewis se converteu do ateísmo ao “Catolicismo Cristão”, que é a igreja, digamos assim, “invisível” de Jesus, aquela não feita por mãos humanas, única que realmente salva almas (ao contrário, para as que foram feitas por mãos humanas, Jesus fez uma dura profecia: Mt 24,1-2). Quanto ao que você disse: “porque ele se tornou anglicano e não católico é um mistério e uma pena”, é visível a sua idéia de que se não for católico ROMANO não está certo. E não há pena nem mistério algum, veja: eu também não sou católico ROMANO, e por minha decisão você poderá entender porque Lewis jamais aderiu ao Romanismo. A resposta é: justamente por ser uma Igreja que se coloca ela própria como SALVADORA, como se fosse o próprio Deus, como se as chaves dadas a Pedro fossem chaves dadas exclusivamente ao clero ROMANO e não a todos os cristãos legítimos; por ser uma Igreja que tem atualmente um líder (Ratzinger) que se julga único representante de Deus na Terra, mas que não foi capaz de calar as suspeitas de maracutaias na sua própria eleição; por ser uma organização ao mesmo tempo religiosa e política, Estatal, com poder temporal, secular e vertical, exatamente como há nos quartéis. Finalmente, nem eu nem Lewis somos Romanos porque vimos até onde a Igreja de Roma chegou, com sua auto-eleição teocrática, ao ponto de mandar queimar hereges e bruxas, tirando da pessoa humana o direito ao livre-pensar e até proibindo a humanidade de ler a Bíblia. Por isso, eu e Lewis cremos que, embora não sejamos evangélicos, o movimento iniciado com Lutero foi sim obra do Espírito Santo (autor e consumador da gloriosa liberdade dos filhos de Deus – Rm 8,21 e II Co 3,17), com o intuito de coibir a escalada decrescente da Moral da Igreja, a qual levou os próprios “representantes” de Deus à simonia, à sodomia e à aberração da venda de indulgências, cuja vergonha chocaria até São Francisco, o qual também revoltou-se contra as imoralidades e prevaricações da Igreja, em época muito anterior a Lutero (a diferença entre Francisco e Lutero foi apenas a coragem lúcida do segundo e a obediência temerosa do primeiro, que não encontrou em si coragem para seguir a idéia de São Pedro, expressa em Atos 5,29).

Depois você escreveu: “No entanto, conheço muito poucos livros tão profundamente cristãos quanto o Mero Cristianismo. Conheço muito poucos livros que expressam a psicologia cristã dos grandes santos e Padres da Igreja quanto "Cartas a um Jovem Diabo".” De fato é verdade. Lewis é o máximo. Todavia quando falamos em grandes santos e padres precisamos nos lembrar que naquela época, na Patrística, a igreja ainda era única, somente cristã, e por isso nem se pode avaliar o que teria ocorrido com a psicologia daqueles homens se tivessem lido Lewis APÓS a Reforma. Porquanto tenho certeza de que você sabe que, assim como não se pode avaliar a vontade popular num regime de partido único, também não se pode avaliar o Cristianismo com uma única igreja, ditando regras “pétreas” (nos dois sentidos) de auto-perpetuação no poder, e agindo como qualquer ditadura mundana.

Finalmente, no último parágrafo você acertou em cheio. Você disse: “Deus serve-se das mais diversas pessoas para Seus projetos. Quem sabe Ele não se serviu de Lewis para aproximar muitas pessoas do catolicismo, pessoas estas que não leriam um escritor católico, mas que leu Lewis com muito gosto”. Sim! Pimba! Eureca! Lewis é o maior apologeta cristão de todos os tempos, e certamente ninguém no mundo ajudou mais à 'evangelização-consciente' do que ele! Deus, de fato, perdoe-me a expressão, o usou de cabo a rabo, e Lewis é católico, só que não ROMANO!... E de fato, Lewis fez muitos protestantes conhecerem o catolicismo (não o Romanismo nem o Romanicalismo) e fez também muitos ateus crerem em Deus, como o Espírito Santo costuma fazer quando usa seus legítimos profetas! Todavia, irmão, a Igreja de Roma continua encarando-se acima de onde deveria se colocar, como se Jesus tivesse rótulo de católico na testa! E Lewis viu tudo isso, ao ponto de, em sua santa humildade, jamais tratar especificamente de sua própria igreja, bancando o proselitista romano! Este é o Lewis que amo, e a quem imito fielmente, como os primeiros cristãos imitavam Paulo, e não Pedro (I Co 11,1).

Não me leve a mal. Nunca li um depoimento romano tão pertinente quanto o seu. E se você também amou Lewis, então é meu irmão legítimo, e também creio que Deus o está olhando com bons olhos, como eu, surpreso e alegre por ver Lewis frutificar até na hermética Igreja de Roma.

Comemore conosco a “Semana Lewis”, de 22 a 29/11/2009 (grupodeamigosdocslewis@yahoogroups.com).

Por tudo, receba um forte abraço fraterno, pois somos todos filhos amados de Cristo.

Prof. JV.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

POR QUE JAMAIS HÁ CONSENSO SOBRE A BÍBLIA?

UM TEXTO POLÊMICO PARA QUEBRAR O SILÊNCIO

(Discutindo o óbvio ululante das milenares querelas hermenêuticas entre católicos e protestantes, e por ser o óbvio não pode ser revisitado aqui com muitas palavras, porque é o tipo da questão que os intermináveis discursos de parte a parte já deram tudo o que tinham de dar).

O texto polêmico é: “Os evangélicos sempre alegaram que são os maiores defensores da fé como elemento-chave para a salvação das almas. Até o Dr. CS Lewis, maior pensador cristão do Século passado, reconheceu isso quando revelou que eles 'reclamaram' a ausência de uma maior ênfase na fé em seu livro 'Cristianismo Autêntico' (ABU Editora, 1979). Entretanto e com efeito, um estudo mais apurado do Catolicismo termina por revelar verdadeiras 'cirurgias hermenêuticas' no Corpo Doutrinal Romano (exemplos abaixo), nas quais os evangélicos nem de longe conseguem crer. Isto nos conduz à inevitável conclusão de que a fé também é uma dessas coisas que passeiam ao sabor dos interesses individuais e denominacionais, com cada um destes fazendo uso dela apenas naquilo que lhes é conveniente (ou apenas no que se refere ao seu próprio ponto-de-vista individual ou denominacional) e por isso ninguém é, a rigor, cem por cento crente.”

Um exemplo a ser dado de “cirurgia hermenêutica católica” com a qual os protestantes nem de longe se aventuram a crer (não porque não tenha fundamento, mas porque tal quesito porá em risco a própria identidade “político-partidária” de sua denominação) é o mais famoso de todos, a saber, aquele que na prática constitui a base de toda a fé católica na existência da Igreja de Roma, encontrado no Evangelho de Mateus, no cap. 16, versículo 18, quando Jesus diz a Pedro: “Sobre esta pedra eu edificarei a minha igreja”. Há duas cirurgias aqui: os católicos dizem que a pedra é pedro, outros dizem que a pedra é a fé, e os protestantes dizem que a pedra é Cristo. Alguma delas está errada? Aguardemos um pouco. Prossigamos.

Outro exemplo de “cirurgia hermenêutica católica” se encontra em João 6, no qual Jesus diz explicitamente que Sua carne “é verdadeira comida, e seu sangue verdadeira bebida”, com o que Deus avalizou toda a base da fé que crê que o próprio Cristo se fez pão, no Mistério sublime da Eucaristia. Novamente deve-se frisar que esta alegação também tem fundamento no “para Deus tudo é possível”, e sua rejeição se dá apenas por bairrismo e divisionismo político.

Já um exemplo de “cirurgia hermenêutica protestante” com a qual os católicos nem de longe se aventuram a crer (repito, não porque não tenha fundamento, mas porque tal quesito põe em risco a identidade “político-partidária” do Catolicismo) é considerado “um clássico” dentre todos, e é encontrado no Livro de Atos, no capítulo 16, versículo 31, e afirma que basta apenas a fé para a salvação de uma alma (num simplismo que Lucas jamais indicaria como peça de evangelização). Este 'basta apenas' é que caracteriza bem o sentido de “cirurgia hermenêutica”, ou extirpação.

Outro exemplo de “cirurgia hermenêutica protestante” se encontra em Marcos 6, versículo 3, no qual o escritor canônico registrou alguns nomes da numerosa família consangüínea de Jesus, o que inexplicavelmente ofende a fé católica, como se para Roma o ato conjugal entre nossa mãe santíssima e seu legítimo esposo fosse pecado, um estranho pecado chamado “adultério contra o Espírito Santo”, por ser Deus o único esposo de Maria!... Novamente deve-se ressaltar que essa alegação dos irmãos de Jesus também tem fundamento, e sua rejeição se dá por um divisionismo político injustificável, com base no lamentável erro de conceituação moral da virgindade.

As ressalvas que fiz, dando conta de que todas as 'cirurgias' têm fundamento (dependendo da ótica denominacional adotada), se baseia no fato de que não há nem nunca existiu um único ser humano que tivesse ido à Palavra de Deus e não tivesse cometido o erro de julgar que a sua interpretação pessoal é a única ou a mais correta, esquecendo-se de que ele – ele também, por que não? – é repreendido pelo versículo que diz “nenhuma profecia deste livro provém de interpretação particular” (II Pe 1,20), e sem se dar conta de que a frase de Pedro se referia exclusivamente aos registros deles mesmos, i.e, aos escritores canônicos, e não àqueles que sairiam a pregar a Palavra de Deus pelo mundo. Melhor dizendo, o alerta de Pedro era para que nos lembrássemos de que todos os dados adicionados ao Cânon vieram de Deus, e não dos autores canônicos; ao passo que aquilo que se entendesse e se pregasse depois de registradas por escrito as memórias dos apóstolos, seria e tinha que ser produto de interpretação dos cristãos (leigos ou não), únicos guiados pelo Espírito de Deus. Logo, ao invés de estar desencorajando interpretações, na verdade Pedro estava dizendo que, SE o intérprete acreditar que a Bíblia vem de fato de Deus, então tudo o que ele interpretar a partir dessa fé é válido, tal como Paulo explicou em Rm 14,22-23. Aliás, por falar em Paulo, o próprio Pedro deu um sinal sintomático acerca disso, quando contou que os dados da Revelação bíblica são matérias difíceis de entender e que Paulo as enxergaria melhor do que ele (II Pe 3,15-16), o que prova que o ato de “interpretar particularmente”, ou respeitando-se a inspiração aleatória do Espírito Santo – que sopra aonde quer (Jo 3,8) –, era um costume freqüente e salutar da igreja primitiva. Este parágrafo deve ser relido.

Isto posto, se tanto o Catolicismo quanto o Protestantismo têm fundamento em suas visões particulares da Palavra de Deus, então “o labirinto fica mais acima” (como diziam os bizantinos), e seria algo relacionado à própria comunicabilidade de Deus, que jamais foi nem podia ser simples, em razão de ser uma “Comunicação-via-Transposição” do Infinito incognoscível da mente de Deus para o finito de nossas mentes. Assim, portanto, todos os homens e todas as denominações, em todos os tempos, jamais chegam a errar totalmente em suas reivindicações de fé, embora também jamais acertem completamente. E convenhamos, esta é a única conclusão sadia e capaz de unir todo o Cristianismo.

Finalmente, se Jesus um dia afirmou que nem sequer uma folha cairá em terra sem o consentimento de Deus, bem como que todos os cabelos de nossa cabeça estão contados (não valem os carecas), é lícito supor que também é por vontade de Deus que o Catolicismo e o Protestantismo subsistem, e assim o fazem pela gloriosa liberdade dos santos e passeando ao sabor da vontade de seu único Pai, maior interessado em encorajar as pesquisas bíblicas, melhor exercício espiritual de todos os seus filhos.

Prof. João Valente.