Histórias de
aparições, espíritos sem repouso e formas fantasmagóricas refletiram durante
milhares de anos o medo que a morte suscita na Humanidade
Fantasmas & espíritos
DEIXAI-ME
dizer desde já que, sou incrédulo por natureza e completamente isento de
superstições. Nunca me preocupei com o número 13... ou com qualquer outra das
superstições habituais que podem ocupar o coração humano na ausência da fé...
<< Mas
o falecido C. S. Lewis, que eu não conhecia muito bem e que apenas uma vez vira
pessoalmente, mas com quem me correspondia com uma certa assiduidade,
proporcionou-me uma experiência inusitada. Alguns dias depois da sua morte,
estava eu a ver televisão, 'apareceu' ele sentado numa cadeira apenas a alguns
centímetros de distância, e as poucas palavras que disse revestiam-se de
particular relevância para as difíceis circunstâncias da minha vida naquele momento.
A sua compleição era mais corada do que nunca, o sorriso era aberto e, como o
velho ditado diz, irradiava inegavelmente saúde. Curiosamente, fato que para
mim se revestiu de particular interesse, não estivera sequer a pensar nele...
Decorrida uma semana, desta vez estando eu na cama a ler antes de adormecer,
apareceu ele de novo, mais rubicundo e mais radiante ainda do que
anteriormente, e repetiu-me a mesma mensagem, que, nessa altura, era muito
importante para mim. Fiquei um pouco confuso com o caso e mencionei-o a um
certo bispo virtuoso que nessa ocasião vivia retirado em Dorset. A sua resposta
foi: “Meu caro J., este gênero de coisas está sempre a acontecer”. >>
O que quer
que “este gênero de coisas” possa ter significado para o bispo, para o cônego da
Igreja da Inglaterra J. B. Phillips, D. D. e proeminente escritor sobre
teologia, significava uma coisa: em 1963 ele vira um fantasma.
Nathaniel
Hawthorne viu-os também. De facto, o escritor americano viu vários fantasmas
durante a sua vida e acreditava que a casa em que vivia estava assombrada. No
entanto, a forma espectral que ele avistava mais freqüentemente era a do Rev.
Dr. Harris, clérigo idoso que compartilhara a predileção de Hawthorne pela sala
de leitura do Athenaeum de Boston. Uma noite, Hawthorne ficou surpreendido ao
saber que Harris morrera recentemente; tinha a certeza de que o vira no
Athenaeum nesse mesmo dia. Na manhã seguinte, Hawthorne regressou à sala de
leitura, onde, uma vez mais, viu Harris a ler calmamente em frente da lareira.
Hawthorne sentou-se do outro lado da sala, observando sub-repticiamente Harris
durante algum tempo, para se certificar de que era mesmo ele e não outra
pessoa. Reparou que mais ninguém na sala, incluindo alguns amigos íntimos de
Harris, parecia ter consciência do fantasma que se encontrava entre eles. As
visitas diárias da aparição continuaram durante semanas, embora Hawthorne
estivesse convencido de que era ele o único a vê-la. Começou por considerar, e depois rejeitar,
vários meios de pôr à prova a sua visão. Como escreveu mais tarde: << Talvez
me sentisse relutante em destruir a ilusão e em privar-me de uma história de
fantasmas tão aliciante que poderia provavelmente ter sido explicada de uma
forma inteiramente natural.>> Embora Hawthorne se tornasse gradualmente
consciente de um interesse mais direto por parte do fantasma de Harris e
começasse a suspeitar de que não tardaria a receber uma mensagem, tanto o homem
como o espectro continuavam a observar as tradições da sala, na qual, como
Hawthorne notou, “a conversação é estritamente proibida e ter-me-ia sido
impossível dirigir-me à aparição sem atrair o reparo imediato e indignados
sobrolhos carregados dos velhos cavalheiros sonolentos que me rodeavam... E que
figura absurda teria eu feito... dirigindo a palavra ao que devia ter parecido
aos olhos de todos os outros... uma cadeira vazia! Além do mais, eu nunca fora
apresentado ao Dr. Harris”.
Ao preparar
a investigação a realizar sobre The
Stately Ghosts of England, a
autora Diane Norman ventilou a hipótese de escolher como locais assombrados por
fantasmas algumas das mais antigas mansões de Inglaterra. Antes de tomar uma
decisão final, escreveu a 30 proprietários dessas casas senhoriais
perguntando-lhes se havia quaisquer fantasmas em suas casas. Entre os 28 que
responderam séria e positivamente contavam-se os então proprietários de Brede
Place, no Sussex.
Os
antepassados de Roger e Alexandra Moreton-Frewen haviam vivido em Brede durante
muito mais de 200 anos. A própria propriedade datava de 1350, mas só depois de
os primeiros Frewens tomarem posse dela, em 1708, Brede começara a adquirir a
sua reputação de “casa mal-assombrada”.
As suas histórias mais sinistras diziam respeito ao fantasma de um
gigante, reputado por devorar bebês à noite, mas há muito que se suspeitava de
que o gigante era invenção de um contrabandista local desejoso de manter
afastados os seus curiosos vizinhos. Outras histórias eram tomadas mais
seriamente. Quase todos os membros da
família receavam algum canto da propriedade. Um tio evitava à noite algumas
salas dos andares superiores; o pai do proprietário não falava do que vira na
cave, nem o avô de Frewen passeava pelo jardim depois de escurecer se não
estivesse alguém de vigia na porta da frente.
Os visitantes também não estavam imunes. Foi, porém, uma prima de
Frewen, Margaret Sheridan, quem teve um dos mais estranhos encontros com fantasmas.
Sheridan
encontrou o seu primeiro fantasma não em Brede, mas em Frampton, a propriedade
da família de seu pai, para onde a mãe a levara a si e ao irmão para ali esperarem notícias de seu pai, oficial do
Exército Britânico colocado na frente alemã, na 1ª Guerra Mundial.
“Quando
descia para a sala de estar, à hora do chá”, escreveu mais tarde Sheridan, “encontrei
um rapazinho nas escadas. Vestia um fato de marinheiro branco e tinha um chapéu
de palha redondo na cabeça. Olhou-me, e eu o olhei. Passamos um pelo outro sem
trocar uma palavra. A ama sempre insistira comigo para que nunca falasse com
estranhos; no entanto, presumi que ele viera brincar comigo.”
“Apenas
entrei na sala de estar, anunciei excitadamente: ‘Vi um marujinho.’ Esperei uma
explicação. ‘Um marujinho’, repeti. No silêncio sepulcral que se seguiu, a
minha avó dirigiu a minha atenção para o prato de torradas com manteiga. As
suas mãos tremiam. Só muito mais tarde saberia que o Marujinho era um visitante
de mau agouro na família Sheridan. Em vida fora um antepassado que morrera
afogado no mar, como aspirante de marinha. Só aparecia em Frampton antes da
morte do herdeiro. O estranho era que, embora o retrato dele reproduzisse um
jovem de 16 ou 17 anos, eu vi – e vi claramente – uma criança aproximadamente
com a minha idade.”
“Pouco tempo
depois chegou a carta”. O pai de Margaret Sheridan fora morto no front.
Quando, em
1969, visitaram os Frewens em Brede, Diane Norman e o seu colaborador em Stately Ghosts, o “psíquico” Tom Corbett,
foram convidados a inspecionar a casa antes de discutirem os vários fantasmas
que a família identificara. Depois de percorrer integralmente a casa, Corbett
declarou que, em sua opinião, pelo menos três fantasmas se encontravam na
residência: um homem e uma mulher que assombravam os quartos de dormir na ala
oriental da casa e um homem – possivelmente um padre, na opinião de Corbett –
que parecia ocupar a capela na ala ocidental do edifício e o pequeno quarto
construído sobre ela. Foi o padre que Corbett considerou ser a “principal
influência na casa, e uma influência muito benéfica”.
Declarando
que a avaliação de Corbett era, absolutamente correta, Roger Frewen apresentou
uma quantidade de registros da família atestando os numerosos contactos, que já
se prolongavam há muito, dos Frewens com estes três fantasmas e vários outros.
Enquanto os
Ingleses podem encontrar os seus antepassados em antigas habitações, todas as
culturas têm os seus espíritos visíveis e invisíveis. Em 1976, foi publicado um
livro, grandemente apreciado, da autoria de uma jovem sino-americana,
denominado Woman Warrior. Tinha como
subtítulo Memoirs of a Girlhood Among
Ghosts. Sem tentar sequer explicar o
fenômeno, a autora, Maxine Hong Kingston, recordava a feroz luta noturna que
sua mãe, Orquídea Brava, travara uma vez com um temível Fantasma Visitante, um
de entre um grande número de espíritos chineses que incluem não só fantasmas
reconhecíveis de antepassados como um panteão de fantasmas aterradores, mais
semelhantes a monstros do que a fantasmas humanos.
“Era maior
do que um lobo”, disse Orquídea Brava a sua filha muito tempo depois, <>. Embora o relato de Orquídea Brava seja tanto uma
alegoria como uma descrição da recordação de um encontro fantasmagórico,
resulta claramente desta narração um aspecto importante: para ela e para a sua
filha, de uma geração e mentalidade modernas, Fantasmas Visitantes, Fantasmas
do Muro, e um sem-número de outros fantasmas, são reais.
À parte a
alegoria, o romanticismo e o aliciante das histórias, não será a verdadeira
noção de fantasmas um desafio aos conceitos racionais da realidade, bem como às
modernas convicções ocidentais sobre a mente, o corpo, a vida e a morte? Como é
possível os mortos aparecerem aos vivos?
E qual o verdadeiro significado da afirmação de que se viu um fantasma?
Continua a ser difícil imaginar como seria possível responder satisfatoriamente
a estas perguntas.
De todas as
ciências, apenas a psiquiatria ofereceu uma explicação “plausível” ao sugerir que os fantasmas são
manifestações de desejos inconscientes, de culpas não ilibadas, da criatividade
anárquica da imaginação [das ciências ditas oficiais, cuja honestidade as
obriga, no mínimo, à omissão].
Mas que
determinante faria o sensato cônego Phillips conjurar C. S. Lewis vestido não
com trajes “clericais”, como na ocasião em que os dois homens haviam se encontrado,
mas com “o fato de tweed já usado”
que – Phillips apenas o soube mais tarde – constituía o habitual traje de
Lewis? Ao refletir sobre a sua experiência, Phillips admitiu nutrir por Lewis
uma simpatia pessoal, reconhecendo nele um homem que admirara, mas cujas
opiniões, no entanto, eram freqüentemente difíceis de aceitar. E reconheceu também que, na altura das
aparições, atravessava um período de depressão, depois de ter completado um
longo e exaustivo trabalho escrito. Impeli-lo-ia este estado de espírito a
escolher Lewis como sujeito de uma alucinação reconfortante ou passar-se-ia o
inverso? Teria Lewis escolhido Phillips como um receptor apropriado devido à
sensibilidade temporária do cônego? Se assim foi, por quê? Qual era a intenção de Lewis?...
Poder-se-iam
formular as mesmas perguntas com respeito à experiência de Nathaniel Hawthorne:
que necessidade ou desejo inconsciente o faria persistir, dia após dia, em
manter a alucinação de um homem que ele mal conhecia? Mais tarde, o próprio
Hawthorne se interrogou sobre se o seu apreço por uma história aliciante
poderia ter constituído razão suficiente; o fato é que a imaginação de
Hawthorne poderia certamente ter providenciado uma conclusão mais satisfatória
para o episódio do que aquela que, segundo o próprio Hawthorne, se verificou. E
que anseio não conhecido em Margaret Sheridan, de 3 anos, teria conseguido
materializar um fantasma crônico da família sobre o qual ela nada sabia?
Uma explicação
possível para a aparição da criança assenta em teorias correntes sobre o tema
altamente controverso da telepatia. Talvez, de acordo com o que sugere uma tal
teoria, quer a mãe, quer a avó, quer ambas, mantendo subconscientemente a
crença na receada superstição da família, mas tentando desesperadamente
suprimi-Ia, acabassem por transmitir a idéia a uma criança impressionável, que
depois transformou o marinheiro numa criança da sua própria idade. Tal
explicação mantém apenas perturbante o clímax da história: o herdeiro, de fato,
morreu.
A telepatia
tem também sido proposta para explicar um incidente que ocorreu em 1964 numa
fábrica de automóveis em Detroit. Um montador de motores que trabalhava numa
linha de montagem escapou à risca de ser mortalmente esmagado quando uma enorme
peça de maquinaria acidentalmente posta em movimento se precipitou na sua
direção. Como mais tarde explicou aos seus companheiros, fora repentinamente
empurrado e afastado da peça por um negro alto cujo rosto ostentava cicatrizes. Não foi então possível encontrar o homem em
lado nenhum, nem anteriormente o montador o vira alguma vez na fábrica. Mas
vários dos trabalhadores mais velhos sabiam de quem se tratava: reconheceram o
salvador do montador como sendo um trabalhador que, 20 anos antes, numa altura
em que, durante a guerra, fazia longas horas extraordinárias, adormecera e fora
decapitado em conseqüência de um acidente de trabalho na mesma secção da
fábrica. O montador nunca ouvira contar essa história do tempo da guerra, nem
jamais ouvira falar da morte do seu salvador fantasma. Os proponentes de uma
teoria telepática sugerem que um dos trabalhadores mais velhos da linha de
montagem, compreendendo a situação perigosa em que se encontrava o montador,
mas incapaz ele próprio de o salvar, transmitira de algum modo telepaticamente
uma imagem tão poderosa da vítima anterior que o montador fora afastado do
perigo.
Embora não
seja de surpreender que determinados padrões estabelecidos e vigentes no
passado estejam declaradamente presentes em encontros com fantasmas, a
fidelidade com a qual os fantasmas preservam as circunstâncias do seu próprio
tempo podem ser assombrosas. O escritor britânico Paul Bannister, no seu livro Strange Happenings, relatou uma aparição
extraordinariamente anacrônica de uma legião romana. O policial Harry
Martindale, escreveu Bannister, <<é um homem de quem a força policial
britânica se pode orgulhar. Homem alto, com mais de 1,80m e cerca de 125kg de
peso, Martindale tem mãos semelhantes a pás e gestos lentos, mesmo graves.
Orgulha-se de ser desprovido de imaginação, pois é sólido e inabalável>>.
Na altura do incidente, Martindale, então um técnico de aquecimento, reparava
canalizações na Treasurer's House de York. Foi na cave deste edifício medieval
que ouviu “uma espécie de toque metálico de trombeta”.
Como
Martindale contou a Bannister: <kilt
<>
A descrição
que o policial fez dos soldados foi meticulosamente pormenorizada. Estes
transportavam escudos redondos e todo o gênero de armas, desde espadas curtas a
longas lanças. Usavam “kilts com listras verdes pintadas à mão”
e a maioria usava elmos de couro; o elmo do homem a cavalo ostentava plumas.
Todos calçavam sandálias cujas correias lhes contornavam as pernas até aos
joelhos. E, segundo Martindale calculou, a trombeta transportada pelo soldado
de baixa estatura, longa e curva, era feita de latão. “Caminhavam como que
desalentados”, assim descreveu Martindale a cena. “Calculei que fossem soldados
romanos, mas não se pareciam com Charlton Heston” [em Ben Hur].
Alguns dias
mais tarde, Martindale, ainda tenso, contou o que vira a um historiador local
que casualmente sabia que o orifício na cave fora aberto por arqueólogos que
estavam a escavar um troço de uma velha estrada romana subjacente ao edifício.
Porém, com base num dos pormenores cuidadosamente evocado por Martindale, o
historiador concluiu que a aparição era forçosamente fruto da imaginação. Pois,
contrariamente aos soldados descritos por Martindale, os soldados romanos nunca
usavam escudos redondos.
Martindale
não insistiu; porém, decorridos sete anos, dois arqueólogos que trabalhavam na
mesma cave presenciaram uma aparição idêntica e ouviram o mesmo toque de
trombeta. Conseqüentemente, a história de Martindale readquiriu atualidade, mas
desta vez estava-se já de posse de informação histórica suplementar que
permitia estabelecer uma confrontação em moldes diferentes. No período que mediara entre as duas visões,
chegara-se à conclusão de que, quando a VI Legião Romana saíra de York, durante
o século IV, fora acrescida de tropas auxiliares que usavam escudos redondos.
Martindale
nunca pusera em dúvida a realidade da sua visão: <>, declarou a Bannister, “marchando para
alguma incursão desesperada na qual todos morreriam”. Exemplos semelhantes e
cujo contexto histórico-social apresenta igual verossimilhança abundam em
narrações de aparições em tal quantidade que começa a criar-se a idéia de que
os fantasmas são espíritos preservados em alguma espécie de “gel
de lapso de tempo”. [Importante lembrar aqui a “Teoria da Realidade Gelatinosa”
do livro dos fantasmas deste autor]. Os estudos de F. W. H. Myers sobre o tema
levaram-no a definir um fantasma como “uma manifestação de energia pessoal
persistente... algum resíduo da força ou energia que o indivíduo gerou enquanto
em vida”. O filósofo de Oxford H. H. Price estabeleceu o postulado de que tais
impressões podiam sobreviver porque toda a matéria e o espaço estavam imbuídos
de uma substância invisível, a que chamou “éter psíquico”, capaz de reter
indefinidamente as impressões deixadas pelos seres vivos. Impressões registradas
durante quaisquer momentos traumáticos permaneceriam suspensas na substância intemporal,
onde seriam mais tarde captadas por indivíduos receptores sensíveis. Frank
Smith afirmou, em Ghosts and Poltergeit,
que a presença do éter psíquico poderia mesmo explicar o aparecimento ocasional
de fantasmas em películas fotográficas.
A antropóloga
Margaret Murray apresentou uma teoria semelhante em My First Hundred Years. Depois de afirmar: “Acredito seriamente em
aparições”, Murray, que morreu em 1963 [ano em que morreu C.S. Lewis], propôs
como ‘hipótese de trabalho’ que os fantasmas são ‘uma forma de fotografia’ ou “um
escrito registrado pela luz em alguns dos constituintes do ar”. Ao comparar
este processo com o funcionamento de uma máquina fotográfica, escreveu Murray:
<> [ou depois de uma tempestade magnética].
A
persistência da idéia de que, de algum modo, todos os fantasmas transcendem o
tempo, tal como este é apreendido pelos seres vivos, pode dever-se em parte à nossa
compreensão incompleta do significado do próprio tempo. Ao longo da maior parte
da História, o homem concebeu o tempo como um contínuo absoluto, um rio em
fluxo contínuo, no qual o passado se situa a jusante, o futuro a montante e o
presente onde quer que nos encontremos na margem do rio. Contudo, Albert Einstein
demonstrou na teoria da relatividade que o tempo sofre alterações relativamente
ao espaço e ao movimento e que flui a diferentes velocidades, conforme o
observador está estacionário ou em movimento. Assim, se se pensar nos mortos
integrando-os num sistema em movimento, e nos vivos num sistema estacionário, é
possível imaginar que os mortos perdurem para além do tempo artificial da
morte, tal como este é compreendido pelos seres vivos.
Curiosamente,
um dos tipos de fantasmas mais vulgarmente avistados – a chamada aparição de
crise – parece tornar-se visível quer quando se verificou uma morte recente,
quer quando há um caso de morte iminente. O poeta Robert Graves foi visitado
por um desses fantasmas durante a I Guerra Mundial. Tal como escreveu em Good-bye to All That: “Vi um fantasma em
Béthune. Era um soldado chamado Challoner, que estivera comigo em Lancaster e
na Companhia-F em Wrexham. Quando partiu com um destacamento para se juntar ao
1º Batalhão, apertou-me a mão e disse: 'Vemo-nos outra vez em França'. Foi
morto em Festubert em maio e em junho passou pelo quartel da nossa Companhia-C,
onde estávamos precisamente a celebrar, com um jantar especial, o nosso
regresso a salvo de Cuinchy. Havia peixe, batatas novas, ervilhas, espargos,
costeletas de borrego, morangos com natas e três garrafas de Pommard. Challoner
espreitou pela janela, fez a continência e prosseguiu. Não podia tê-lo
confundido com outro nem imaginado a divisa que ele usava no boné. Nessa altura
não havia nenhum batalhão real galês aquartelado num raio de quilômetros de
distância de Béthune. Ergui-me de um salto e olhei pela janela, mas vi apenas
uma beata fumante no pavimento. Nessa altura os fantasmas eram numerosos na
França”.
Para o seu
livro The Probability of the Impossible,
Thelma Moss reuniu outros exemplos, retirados dos arquivos da Sociedade
Britânica de Investigação Psíquica, os quais reforçaram a idéia da ubiqüidade
das aparições de crise. Num caso ocorrido na Itália, uma mulher, tendo
levantado os olhos do seu trabalho doméstico, viu o espectro do corpo de sua
mãe estendido, como que prestes a ser enterrado. Bastante perturbada, escreveu
imediatamente à sua mãe (corria o ano de 1869), inquirindo da sua saúde. Na
volta do correio recebeu a notícia de que a mãe morrera repentinamente; fora
sepultada no dia em que a filha tivera a visão.
Uma mulher
de Chicago acordou uma manhã, em 1890, sentindo-se inexplicavelmente deprimida.
Entrou na copa para fazer uma chávena de chá e deparou-se-lhe uma visão
assombrosa. “O meu irmão Edmund – ou a sua imagem exata – estava à minha
frente, apenas a alguns centímetros de distância, de costas viradas para mim,
ou melhor, parcialmente virado, e caía para a frente – na direção oposta àquela
em que me encontrava – aparentemente impelido por um laço de corda que lhe puxava
as pernas. A visão durou apenas um momento, mas foi muito distinta. Deixei cair
o chá, levei as mãos à cara e exclamei: 'Meu Deus, Ed afogou-se'. De fato, seis
horas antes, o irmão desta mulher, fogueiro de um rebocador, fora arrastado
borda fora e morrera afogado.
É impossível
dizer se estes casos podem ser explicados como a última visita de uma alma a um
ente querido distante ou como uma forma de telepatia mental. Mesmo a explicação
cientificamente mais conservadora – a resposta da mente inconsciente à solidão
e à preocupação, pontuada por coincidências bizarras – parece totalmente
incompreensível. No entanto, o papel da mente em tais encontros fantasmagóricos
não deve ser subestimado [até porque é ela o “rádio” receptor de qualquer comunicação
de outra mente – tudo leva a crer –, esteja ela viva ou morta].
Uma das
manifestações mais horripilantes da estranha interação entre a mente [viva ou
morta] e as circunstâncias ocorreu no início do século XIX no Tennessee, nos
EUA, onde, durante um período de quatro anos, um próspero agricultor e sua
família foram atormentados por uma força malévola que veio a ser conhecida como
a Bruxa de Bell [fato histórico que Hollywood filmou].
O estranho e
prolongado episódio começou com uma série de visões aparentemente não
relacionadas. Um dia, John Bell, o chefe da família, reparou num cão de aspecto
peculiar que vagueava por um campo de milho. Disparou sobre ele, mas quando foi
apanhar o animal não conseguiu encontrar vestígios dele. Alguns dias mais tarde,
acompanhado por dois dos seus filhos, avistou no cimo de um carvalho uma ave
estranha, desconhecida na região, de dimensões superiores às de um peru. Bell
visou, disparou e a ave pareceu cair, mas quando os rapazes correram para o
local não encontraram nada no solo. Pouco tempo depois, Betsy, a filha mais
nova de Bell, declarou que, passando por essa mesma árvore, vira uma jovem “balouçando
num ramo do grande pé de carvalho”. A jovem, que parecia ter aproximadamente a
mesma idade de Betsy, 12 anos, envergava um vestido verde. Betsy tentou conversar
com ela, mas quando se aproximou da árvore a estranha desapareceu. Um quarto
fantasma, um cão preto a rosnar, era regularmente avistado por um dos escravos
de Bell, o qual declarou que o cão desaparecia quando ameaçado por um pau ou
uma pedra.
Este ciclo
de acontecimentos foi seguido por um surto crescente de ruídos claramente
audíveis e agourentos: o ranger de janelas, uma pancada na porta, arranhadelas
constantes no soalho e depois o rosnado surdo do que pareciam ser dois cães a
lutar. Novos sons surgiam diariamente – ruídos de sufocações e gorgolejos, o
arrastar de mobiliário pelo soalho e de correntes pela casa. Os pés das camas
mostravam sinais de terem sido roídos por ratos durante a noite.
Em breve os
membros da família começaram a ser atacados enquanto dormiam. Os cobertores
eram arrancados no meio da noite e qualquer oposição era castigada com uma
poderosa pancada desferida por mão invisível. Alguém ou alguma coisa puxava
freqüentemente os cabelos das crianças na escuridão, embora Betsy Bell
parecesse ser agredida com particular ferocidade.
Embora fosse
ainda muito nova, Betsy Bell estava a ser requestada por dois pretendentes, que
esperavam fazer em breve um casamento vantajoso com a filha de um dos cidadãos
mais proeminentes do condado. Um dos pretendentes era um homem mais velho,
Richard Powell, o mestre-escola da cidade; o outro, mais próximo da sua idade,
era um homem de nome Joshua Gardner. Betsy parecia inclinada para o mais novo,
mas as visitas dele começaram a ter conseqüências desagradáveis; todas as
visitas que Gardner fazia a Betsy eram assinaladas por um ataque da Bruxa de
Bell.
Como os
ataques à jovem se tornaram progressivamente mais violentos, a família desta
começou a ficar seriamente preocupada com a sua saúde. Na esperança de a
afastar da influência da bruxa, os Bells enviaram Betsy para a casa de uns
amigos, mas a bruxa seguiu-a e os assaltos tornaram-se mais aterradores. Betsy
afirmava que se sentia como se estivesse a ser sufocada, queixava-se de
dificuldades respiratórias e sofria de desmaios.
O horror da
família Bell depressa se tornou centro das atenções na região. Exorcistas e
espiritistas acorreram em grande número à pequena cidade de Adams, vindos de
todo o Tennessee e do Kentucky, estado vizinho. Interpelando seriamente o
fantasma, acabaram por conseguir obter dele uma resposta que, tal como se
verificara relativamente ao primeiro contacto que ele estabelecera com a
família, se tornou gradualmente mais clara. Inicialmente, a força invisível
respondia às perguntas através de sons indistintos, depois começou a assobiar e
em seguida a articular um murmúrio inequívoco, diariamente mais compreensível
para os ouvintes. Com o tempo, a voz tornou-se categórica e clara, embora a
bruxa se recusasse a responder a perguntas diretas que lhe eram formuladas
sobre as suas origens e intenções. “Eu sou um espírito onipresente, do Céu, do
Inferno e da Terra”, declarou formalmente. “Estou no ar, nas casas, em qualquer
espaço e em qualquer tempo; fui criada há milhões de anos; e é tudo quanto vos
direi”. Não era possível determinar quais os propósitos da bruxa a partir do
seu comportamento conflituoso. Inicialmente, o estranho ser era dado a repetir
com exatidão misteriosa os recentes sermões dos dois pregadores locais. E
embora a princípio a bruxa parecesse tratar indiscriminadamente todos os
membros da família Bell, os incidentes depressa tornaram claro que a bruxa
tinha um favorito. A sua atitude para com Lucy Bell – a mulher de Bell e mãe de
Betsy – era declaradamente solícita e amável. Lucy era sempre respeitosamente
tratada pela bruxa, que em breve começou a atormentar não só Betsy como John
Bell. Para estupefação do grupo reunido uma noite na cozinha dos Bells, a bruxa
anunciou: “Estou decidida a assombrar e atormentar o velho Jack (John) durante
toda a sua vida”. [Jack então é uma forma mais carinhosa de chamar John].
Assim, a
bruxa desviou as suas malévolas atenções de Betsy para o pai desta, fazendo-o
sofrer tormentos enlouquecedores. A língua inchava-lhe de tal maneira que ele
deixava de poder comer ou falar, e esse crescimento desmedido alterou-lhe tanto
a boca que todo o seu rosto parecia distorcido.
Um tique facial que o começara a incomodar quando da primeira
manifestação da bruxa agravou-se. Estava
sujeito a ser imprecado com maldições e pragas gritadas a alta voz enquanto
andava pela quinta. [quitanda]. Os
surtos de tumefação tornaram-se progressivamente mais freqüentes e
debilitantes, forçando Bell a abandonar o seu trabalho e qualquer atividade
durante dias a fio. Em meados de Outubro de 1820, precisamente quando se recuperava
de uma crise que durara vários dias, Bell sofreu novo assalto da força
invisível que se revestiu de extrema violência.
O agricultor
caminhava pela estrada suja que conduzia da casa à pocilga com o seu filho mais
novo, Richard, que mais tarde contou a história, quando o sapato repentinamente
lhe voou, saltando-lhe do pé. John Bell calçou-o novamente e atou-o com firmeza
e, decorridos alguns momentos, voou o outro sapato. Também calçou e apertou
firmemente este sapato. E à medida que pai e filho prosseguiam o seu caminho,
os sapatos do pai voavam-lhe inexplicavelmente dos pés, “apesar de”, escreveu o
filho, “estarem apertados e serem um pouco difíceis de calçar”. Depois de
cuidarem dos porcos, iniciaram o regresso à casa, e toda a seqüência recomeçou.
Desta vez, cada vôo dos sapatos era acompanhado por um terrível soco no rosto,
o que acabou por forçar Bell a parar e descansar. Sentou-se num tronco e “então
todo o seu rosto, e em breve todo o seu corpo, começou a ser agitado por
contorções terríveis”, recordou Richard. Em breve o frenesi se intensificava
com o “som injurioso de canções irônicas que atravessavam o ar com uma
intensidade aterradora. À medida que os gritos demoníacos se desvaneciam em
alegria triunfante, o ataque passava, e vi as lágrimas caírem pelas faces de
meu pai, ainda trêmulas”.
O ataque
deixou John Bell desesperado. “Oh, meu filho, meu filho”, disse ele a Richard, “não
terás durante muito tempo um pai de quem tratar tão pacientemente. Não posso
sobreviver muito mais tempo às perseguições desta coisa terrível. Está a
matar-me com torturas lentas, e sinto que o fim está próximo”.
Nesse dia,
Bell caiu de cama e nunca mais se levantou. Passaram-se semanas e as suas
forças exauriam-se rapidamente, até que numa manhã de Dezembro a família o
encontrou quase em coma, o corpo retorcido sobre a cama. Enquanto o médico que
foi chamado se inclinava sobre o doente, a voz familiar da bruxa encheu o
quarto: “É inútil tentares aliviar o velho Jack”, gritou ela. “Desta vez
apanhei-o”.
Pouco antes
da chegada do médico, um dos filhos de Bell descobrira entre os medicamentos do
pai um pequeno frasco contendo um líquido de aspecto estranho que ninguém
conseguira identificar. Nesse momento,
um dos presentes dirigiu-se à bruxa, perguntando: “Que é que contém este
frasco?” Ao que a bruxa respondeu que ela mesma confeccionara a mistura e que
administrara a Bell uma dose “que acabou com ele”.
A Bruxa de
Bell abandonou a família pouco tempo depois, mas não antes de interferir em
mais uma vida e fazer uma ameaça final. Betsy Bell, que contava na altura dos 16
anos, aceitara finalmente a oferta de Joshua Gardner e planejava casar, quando
a bruxa dirigiu novamente as suas atenções para ela. O tormento assumiu a forma
de um pedido: “Por favor, Betsy Bell, não aceites Joshua Gardner”, lamentava-se
repetidamente a bruxa; finalmente, a jovem, incapaz de suportar o assédio mais
tempo, desfez o casamento. Mais tarde, casou com o mestre-escola, que morreu
quando ela contava pouco mais que 30 anos. Permaneceu viúva até morrer.
A
comunicação final da bruxa com a família assumiu a forma de uma promessa de
regressar ao fim de sete anos. Quando tal se verificou, apenas Lucy Bell e dois
dos seus filhos viviam ainda na casa, e o assédio foi assinalado por um surto
repentino e inócuo de atividade de Poltergeist,
que em nada se assemelhava ao que anteriormente se passara.
A provação
sofrida pela família Bell tem constituído objeto de numerosos estudos e
especulações ao longo dos anos, como um exemplo rico e complexo de atividade
paranormal. Por um lado, como Frank Smith salientou, “parece certo que os
fenômenos principais aconteceram realmente”, e na verdade foram testemunhados
por dezenas de observadores, muitos dos quais não pertenciam à família, pelo
que presumivelmente possuíam uma perspectiva objetiva. A bruxa foi
extensivamente “entrevistada” por uma comissão de vizinhos tementes a Deus, e
não só Betsy como também John Bell, as principais vítimas, foram examinados
pelo médico da família, que não conseguiu encontrar quaisquer causas naturais
para os seus sofrimentos.
No mundo
pós-freudiano em que vivemos, a explicação mais plausível para o infortúnio que
se abateu sobre os Bells pode perfeitamente ser a sugerida pelo psicanalista
Nandor Fodor num livro intitulado Haunted
People [também virou filme]. No estudo que realizou sobre o caso Bell,
Fodor notou que os sintomas manifestados por Betsy – desfalecimento, desmaios e
crises de tonturas – são os vulgarmente experimentados por alguém que está a
entrar em transe; noutras palavras, por alguém que está a deixar o seu ego
consciente. E observou que os padecimentos de John Bell – tique nervoso,
incapacidade de comer ou falar, afastamento de todos os contatos e atividades
normais – estão habitualmente associados, na moderna teoria psiquiátrica, a
graves sentimentos de culpa. Fodor lembrou ainda que o comportamento da bruxa
era caprichoso, adolescente, humano e
que, embora esta fosse quase generalizadamente malévola, o fato é que agia com
benevolência para com um dos membros da família, a mãe, Lucy Bell. Depois de
analisar estes e outros elementos do caso, Fodor chegou à conclusão fascinante,
embora altamente especulativa, de que a Bruxa de Bell era a expressão,
possivelmente através do poder da mente, do ódio intenso, mas que não podia ser
reconhecido, que Betsy Bell nutria pelo pai. Esse ódio, defendeu Fodor, poderia
ter tido como causas tentativas de ordem sexual por parte do pai ou qualquer
outra forma de relação incestuosa entre pai e filha, em conseqüência do que,
segundo Fodor, Betsy era incapaz de enfrentar conscientemente as suas emoções,
e quando estas eram excitadas pelas atenções de dois pretendentes, a sua
personalidade dividia-se em duas – a divisão incluía talvez “a jovem de vestido
verde balouçando no carvalho”. Parte da sua personalidade, então, atacava o
pai.
Evidentemente,
a versão de Fodor sobre a origem da Bruxa de Bell é apenas uma conjectura
psicológica oferecida século e meio após o fato, quando já não havia qualquer
possibilidade de provar esta teoria. O tema dos fantasmas não é de fácil
solução. Como muitos acreditam, os fantasmas são eventualmente apenas a
essência dos nossos receios e desejos mais profundos concretizada em formas
familiares. Podem ser alucinações, puras e simples. Podem ser sonhos despertos.
Podem ser reações elétricas acidentalmente suscitadas, ou podem ser a
manifestação visível de um fenômeno que está ainda para além do âmbito da
compreensão humana. No fim de contas, quando se constata quão reduzida é a
compreensão que a maioria das pessoas tem de fenômenos recentemente explicados,
tais como as ondas de rádio e televisão, não é difícil acreditar que o Universo
possa albergar vários outros segredos.
No final,
pouco interessa àqueles que viram fantasmas se outros acreditam ou não neles.
Para aqueles que os viram, os fantasmas existem.
Muito depois
de Robert Graves ter dado a conhecer que vira o fantasma do jovem soldado
Challoner, foi-lhe pedido que dissertasse sobre a probabilidade de um tal
acontecimento. A sua resposta a este pedido foi a um tempo calma e categórica.
“Creio”,
escreveu ele, “que se deve aceitar os fantasmas como se aceita o fogo – um
fenômeno mais comum, mas igualmente misterioso. Que é o fogo? Não é exatamente
um elemento, nem um princípio motor, nem um ser vivo – nem sequer uma doença,
embora uma casa possa ser contagiada pelo fogo da dos vizinhos [e pessoas
perfeitamente sadias podem, de repente, pegar fogo, naquilo que hoje a ciência
já cataloga como ‘pirossomose’ ou combustão
humana espontânea]. O fogo é mais um acontecimento do que um objeto ou um
ser. De modo semelhante, os fantasmas parecem ser mais acontecimentos do que
objetos ou seres”.
[“De
qualquer modo temos que continuar insistindo que nada ou quase nada sabemos do
mundo sobrenatural, sobretudo daquele que ‘desce’ ou interpenetra nossa
dimensão dos vivos”. Esta é a postura mais sadia, ou, no mínimo, a mais
coerente. E coerência é saúde].
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Consultores
e Colaboradores da Revista Seleções do Reader’s Digest,
Edição de
1983 do livro “Fronteiras do Desconhecido”.
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