Foi num tempo muito longe, lá onde nossa vista se perde de
nós mesmos, e não sabemos dizer o que conseguimos ver. Foi num tempo
indeterminado em qualquer calendário cósmico, e muito antigo para a idade de qualquer
universo. Entrou em vigor no meio de um denso nevoeiro cinzento, que subiu do
nada após uma intensa batalha de argumentos, ao fim dos quais não havia solução
alguma, como não há entre um casal de estrangeiros onde a mulher quer viver em
sua pátria e o homem idem, e ninguém abre mão de sua terra natal: separação à
vista, separação consumada. Mesmo os celestiais prazeres que curtiam, e a
perfeita saúde decorrente, não foram argumentos para impedir o abismo. O adeus
chegou, sem dizer adeus. Foi na semana de sete bilhões de anos antes da semana
de milhões, numa sexta-feira instantânea e eterna, que aquele impasse marcou
para sempre a lembrança indelével da dor. E todas as sextas-feiras sofreram
juntas, mesmo quando coincidiam com o Natal. Até que chegou o menor tempo do
calendário, aquele da Era da Igreja, onde dois mil anos corriam como dois
segundos. E cada sexta-feira chamada “santa” não passava do dia seguinte à pior
quinta-feira de toda a criação, onde toda a Luz do universo sentia e ressentia
uma pequena mancha solar insistente, quando o lado esquerdo do Sol jorra água e
sangue. Era a única hora doentia onde alguém ri no meio da dor, como se
repetisse a sandice de pedir “atira-te daí para baixo porque teus anjos te
sustentarão!”. E aquele único segundo era sentido como se durasse uma
eternidade, e somente o coração misericordioso o aceitava com piedade, embora
esta ali não gerasse fruto algum. E todas as trevas de fumo e sombra se
abateram no lugar, e o Grande Rei abaixou a cabeça e se dirigiu à Mesa de
Pedra. Foram horas terríveis. Cusparadas em seu rosto enorme. Murros em seu
queixo e um desmaio suspenso. Bofetadas de blasfêmia. Chicotadas de rasgar pele
e couro, além das cinquenta legais. Espadas O espetavam. Facas o dilaceravam.
Gritos de festa foram ouvidos, antes da sentença coletiva da crucificação.
Estava morto o Leão de Judá, e a sexta-feira então durou três dias! Três dias
mal contados de crueldades bem contadas. Densas trevas dominavam tudo, sem
sinal de dissipação. A paz dos maus parecia vitoriosa e prestes a ganhar “o
mundo sem rei”. Mas então, ouviu-se um grande estalo: a Mesa de Pedra se
partiu. Naquela mesa o pano “desinchou” e sentou-se sobre a pedra fria do
túmulo vazio. O tiro saiu pela culatra: o pano guardava em si a prova mais
eloquente de quem foi sepultado nele, e do quanto Ele foi golpeado. E as
meninas-mulheres chegaram: “por que procurais entre os mortos quem de lá
retornou?... Não toqueis nele agora, para que não interrompais tua própria
ressurreição, que vem se processando há milhões de anos! A sexta-feira triste
passou: vão contar aos seus irmãos que o Rei está vivo e trouxe consigo ouro,
incenso e mirra de Nárnia, pois foi preparar-vos lugar! Ora, ora, correi!
Correi assim! Correi felizes: deixem o domingo escancarar o Céu!”...
sexta-feira, 25 de março de 2016
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário