Dentre todas as leituras de Lewis de sua teologia mais
profunda, poucas foram tão sutis e definitivas quanto a que ele “esboçou” (no
sentido de aludiu indiretamente) num livro onde ele faz um comentário sobre a
Ceia do Senhor. Longe de ser apenas uma “alusão incidental”, foi na verdade o
gatilho descortinado de propósito
para que seus leitores mais “afoitos” o descobrissem e o disparassem, no tiro
certeiro da “Verdade que separa amigos”. Nessas ocasiões de descortinamento da
verdade, onde todo o seu alegado “tato diplomático” de tolerância a todas as
denominações cristãs (e busca de um suposto centro apaziguador), fica
necessariamente prejudicado pela obrigação de falar a Verdade, Lewis pisou
fundo e acelerou, não dando importância aos sinais de discordância ou mesmo ira
entre irmãos na fé. Exemplo mais fiel desta verdade foi seu comentário, aqui
bem resumido, acerca da chamada Santa Ceia, quando Lewis, conhecendo as
gritantes diferenças entre o pensamento protestante e o católico romano, saiu-se
dessa enrascada com uma ‘simples’ dedução, aqui expressa em nossas palavras: “não há como ver o gesto de Jesus partindo o
pão como uma simples refeição, e também não há como não ver naquela simples
refeição um mistério tal que ela seja ao final, de fato, uma simples refeição” (a
saber, alguém comendo e bebendo alguma coisa). Porquanto a própria simplicidade
do momento impõe o dever de ver o mistério ali embutido, e este mistério aponta
para a simplicidade do ato de comer pão. Com efeito, nunca o comer um pão foi
tão “comer pão” como antes, e nunca um comer pão foi tão diferente de comer um
pão como todos nós comemos. Nunca uma ação humana comum (o comer) foi tão
fortemente reforçada pela simplicidade do ato de se alimentar; e nunca uma ação
divina (a criação) foi tão fortemente introduzida numa mera comida e numa mera
bebida (João 6,55). O Deus criador criara tudo, a matéria, o pão, o vinho, o Homem,
o comer e o beber; e o mesmo Criador transcendera tudo, a matéria, o pão, o
vinho, o Homem, o comer e o beber. Então Lewis arremata tudo e conclui, em
tradução livre: “Não posso acreditar que
alguém veja a ceia do Senhor como uma simples ceia; ou que o gesto de Jesus não
contivesse pelo menos uma sombra de mistério a ultrapassar o mero ato de comer
e a repassar o mistério para todas as ‘santas ceias’ futuras”. Enfim, se
alguém leu e entendeu bem este trecho num certo livro de Lewis, não há porque
acreditar que tal leitor enxergue com desdém a dedução lógica do Catolicismo
(tanto romano quanto anglicano quanto ortodoxo) e veja ali apenas uma heresia
dos padres, esvaziando de sentido toda a cena da última ceia narrada nos
Evangelhos. Eis porque Lewis se tornou mestre entre os evangélicos e consultor
indispensável dos teólogos católicos.
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